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Os caminhos da doença

A varíola é uma doença causada por um vírus e matou mais pessoas na história da humanidade do que qualquer outra doença infecciosa. No século XX, entre 300 a 540 milhões de pessoas morreram por causa da varíola, mais do que em todas as guerras que aconteceram nesse período.

A varíola é transmitida por gotículas de saliva no ar, roupas contaminadas e pelo contato com a ferida de uma pessoa doente. A varíola só é transmitida de ser humano para ser humano. Os sintomas incluem febre, dor de cabeça, dor nas costas, náusea e pústulas (bolhas cheias de pus espalhadas pelo corpo que eram conhecidas como bexigas). As vítimas da varíola sentem muita dor e cerca de um terço delas morre sendo que os sobreviventes ficam com as marcas da doença pelo resto da vida.

Criança com varíola em Bangladesh

Há a possibilidade de a varíola ter se originado no Egito, há 3000 anos atrás, pois a múmia do faraó Ransés V foi encontrada com marcas compatíveis com a varíola. Do Egito acredita-se que a doença chegou à Índia través de caravanas de comerciantes e de exércitos. Porém na índia foram encontradas instruções de um tipo rudimentar de vacinação feita por um sábio indiano há mais de 3500 anos. Essas instruções mandavam retirar pus das feridas de vacas contaminadas com a varíola bovina e introduzir na pele das pessoas para que elas se tornassem imunes à doença. Após Esse procedimento todas as pessoas sentiam uma leve febre semelhante a da varíola humana.

Desses países a varíola se espalhou para a China no ano 340 DC e daí para a Coréia (583 DC) e para o Japão (585 DC). Na China o vírus teve sucesso devido à grande população daquele país.

Os primeiros registros de varíola na Europa datam do século VI DC e acredita-se que foi introduzida no continente pelos povos islâmicos durante as Cruzadas. Por volta do ano 1000 DC a varíola era endêmica nas regiões mais densas da Europa, Ásia e Norte da África. No interior da África a doença não havia a população necessária para o sucesso da doença.

Os Espanhóis se encarregaram de levar à varíola para as Américas quando chegaram, em 1504, ao Caribe. A varíola foi um fator decisivo para a conquista das Américas pelos espanhóis, pois a população nativa foi dizimada pela doença. Com apenas 500 homens Hernán Cortés conquistou o império Asteca que contava com uma população de cerca de 12 milhões de pessoas. Muitos soldados espanhóis eram imunes à doença, pois já haviam sido contaminados na infância e as crianças pequenas são mais resistentes que os adultos às infecções. Francisco Pizarro levou o a doença aos Incas, o que também causou sua derrota.

Hernám Cortés (1485-1547)

Tanto no caso de Pizarro como no de Cortés a introdução da doença nas populações nativas foi sem intenção, mas houve um caso em que uma doença foi usada como arma biológica pela primeira vez.

Isso aconteceu quando Sir Jeffrey Amherst, comandante do exército britânico, deu cobertores contaminados com varíola aos índios americanos por volta de 1760. Na África do Sul e em Angola o vírus foi introduzido deliberadamente para eliminar a população nativa.

Sir Jeffrey Amherst (1717-1797)

Durante a Segunda Guerra Mundial tanto os Estados Unidos como a Inglaterra cogitaram usar a varíola como arma biológica e só desistiram porque já havia uma vacina eficiente nessa época.

 

A vacina

Na índia já existia uma forma primitiva de vacinação que era chamada de variolação. A variolação consiste em retirar pus de um animal ou ser humano contaminados e transferir para uma pessoa sadia para que ela se torne imune a doença. Esse procedimento também era conhecido como inoculação.

Foi Lady Mary Wortley Montagu, esposa do embaixador inglês no Império Otomano (hoje Turquia), que descobriu em suas viagens que os povos da Ásia faziam a variolação para a imunização contra a varíola. Lady Mary ficou tão impressionada com o que viu que inoculou seu próprio filho com o vírus da varíola retirado de outra pessoa. Seu filho caiu em febre, apresentou algumas feridas que logo secaram e caíram. Esse procedimento não era muito seguro, pois uma em cada cinqüenta pessoas morria, mas funcionou com o filho de Lady Mary.

Lady Mary Wortley Montagu (1689-1762)

Em 1722, na Inglaterra, a Princesa Carolina de Gales ficou impressionada com o feito e queria inocular suas filhas, mas a família real não queria servir de cobaia. Usaram então condenados, que posteriormente ganhariam a liberdade e crianças de um orfanato. Todos tiveram os sintomas abrandados da varíola, mas sobreviveram e as filhas da princesa foram inoculadas.

O médico Edward Jenner é considerado o verdadeiro descobridor da vacina para a varíola por ter feito observações sistemáticas e testes precisos e por descobrir uma forma de inoculação em que a doença não se manifestava, pois na inoculação feita por Lady Mary as pessoas poderiam morrer. Jenner sabia o que todo mundo sabia: que as pessoas que trabalhavam com gado e contraíam a varíola bovina se tornavam imunes à varíola humana. Jenner, entretanto, teve o trabalho de provar.

Edward Jenner (1749-1823)

Em 14 de maio de 1796, Jenner inoculou um garoto de oito anos chamado Phipps com pus retirado de uma pessoa com varíola bovina. No braço do menino, no local da inoculação, cresceu uma pústula que desapareceu gradualmente. Em 1º de julho de 1796 foi feito o teste final: Jenner inoculou o garoto Phipps com pus contendo o vírus da varíola humana e nada aconteceu. Passaram-se dias e o menino continuava com ótima saúde. Phipps não poderia mais pegar varíola. Como recompensa, Jenner deu ao menino uma casa 22 anos após o experimento.

A inoculação com varíola bovina, em vez de varíola humana, ficou conhecida como vacinação, pois a palavra latina vaccinus significa “de uma vaca”.

A varíola é a única doença que o ser humano conseguiu erradicar totalmente. Desde 1978 não há mais casos de varíola no mundo. E no início dos anos de 1980 as campanhas de vacinação foram encerradas. Entretanto dois laboratórios guardam vírus da varíola: um no Centro de Controle de Doenças em Atlanta, nos Estados Unidos, e outro no Instituto Ivanovsky de Virologia, em Moscou, Rússia.

A destruição total desses vírus vem sendo postergada há anos. Algumas justificativas para não destruir o vírus são a perda da biodiversidade viral e a possibilidade de usar os vírus armazenados para a produção de vacinas. Porém a extinta União Soviética produziu toneladas de vírus com fins militares nos anos 1990 envolvendo mais de 30000 cientistas. Apesar de os militares russos afirmarem que esses vírus foram destruídos, não é possível ter certeza.

 

Acabou?

Em 1958 foi descoberto em macacos um vírus semelhante ao vírus da varíola. Esse vírus, chamado de Orthopoxvirus, pode causar uma varíola severa, tanto no macaco como no homem, conhecida como varíola do macaco. As taxas de mortalidade das pessoas infectadas com esse vírus na África são semelhantes àquelas taxas de mortalidade da varíola humana. O primeiro caso de varíola do macaco em seres humanos foi no Zaire, em 1972. Em junho de 2003 foram registrados 72 casos de varíola do macaco nos Estados Unidos. Provavelmente a fonte de contaminação foram alguns ratos ganbienses (Cricetomys gambianus) importados da África como animais de estimação.

 

Referências:

FARREL, J. A assustadora história das pestes e epidemias. Rio de Janeiro: Editora Prestígio. 2003. 279p.

SELGELID. M. J. Smallpox revisited? The American Journal of Bioethics. v. 3, n. 1. 2003.

SHCHELKUNO, S. N. Orthopoxyvirus pathogenic for humans. Springer Verlag. 2005

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Varíola: a morte de uma doença? de Márcio Andrei Guimarães está licenciado com uma Licença Creative Commons – Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

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